segunda-feira, 26 de abril de 2010

1.2.1Aspectos experimentais, a vanguarda dentro da Vanguarda

“Por que acepilhar essa abúlica caterva?
Por que deblaterar a parenética mendaz?
Se a vida estultifica o protídeo nofário
Antagoniza o estíolo arbitrário
Nos aproeja à insidia salaz.
Hein?

Por que o deletério não compunge o opíparo?
Por que o orizófago demora a esgazear?
Respondam, respondam pávidos, píveos, méleos,
Respondam lúbricos márcidos, délios,
Que pacoregem sem clangorejar,
Viu?

Talvez o pulverácio ababelhe o arlequíneo
Quem sabe deletério nunca chegue a acrisolar,
Mas nunca beligerante clamor será dado
Antes que o férula avoque açodado
Seu epínício palurdio e mordaz

Aonde o heliófago melífluo se amorena
Como é que a ostroinice não abrolha o chavascar
- Vai entender
Onustos, todos onustos do óbice ástreo
A chapanados por álacres xetas
Sem a resposta pra eu muxoxar ”.
Premeditando o breque

antwort! premeencontro rumo!


Como estamos falando de uma inserção de novos elementos na música brasileira, é importante perguntar como esse interesse pela novidade repercutiu nas composições e também nas apresentações.
No que se refere ao termo vanguarda1, não será aprofundado neste trabalho uma reflexão sobre os aspectos polisemânticos que o termo adquiriu, até porque o termo “Vanguarda Paulista” foi inventado pela imprensa e não totalmente absorvido pelos autores2.
O termo vanguarda inserido no título do movimento é visto de maneiras distintas pelos próprios compositores. Em entrevistas à José Fenerick, (2007b pg3), Arrigo Barnabé comenta que o termo foi usado para todos mas que a linguagem do Premê e Língua de Trapo estavam mais atrelados ao humor.
Essa generalização do termo pode ser derivada justamente do aspecto de questionamento comum a todos e não ao processos composicionais pessoais (como o de Arrigo Barnabé). Havia embutida nessa imagem de “novidade” a crítica, e a ironia, aos moldes que a grande indústria cultural apresentava à música brasileira. Premê e Língua de Trapo criticavam essa massificação da música, embora o fizessem muitas vezes através dos mesmos clichês que condenavam da cultura massificada (Ghezzi 2000, pp 76). Por fim, utilizavam os mesmos mecanismos de inserção na mídia para fazer a sua crítica. 3
Esse limite entre o pop e o erudito foi abordado de diferentes formas pelo grupos. Premê rearranja a “Marcha Turca” de Mozart para um chorinho, mas também explora a música experimental como nas canções “Brigando na Lua” e “Samba Absurdo”.
Já o Grupo Rumo estava focado na entoação do canto falado:
O que diferencia as canções do Rumo acaba sendo um descolamento de ênfase no comportamento melódico da canção para o plano do texto (...). Seria esse o detalhe que identificaria a obra do grupo, diferenciando-a de outras experiências semelhantes, tanto na música popular (“Sinal Fechado”, de Paulinho da Viola, por exemplo) como na música erudita, em que se pode apontar o ciclo de canções Pierrot Lunaire, escrito em 1921 por Arnold Schöemberg, como a peça introdutória do canto falado (Sprechgesang) no canto clássico, empostado. ( VAZ 1988. p. 35-36. )

Itamar Assumpção teve formação teatral, e essa busca pela experimentação foi traduzida em suas composições e, sobretudo, na sua performance:
A música de Itamar foi caminhando, assim, para um cruzamento de bem achados encontros de vários elementos musicais e cênicos, com predomínio do ritmo, ou melhor, da sobreposição de ritmos à pulsação dos instrumentos de base, com refrões ligeiramente cambiantes, e com o jogo de vozes sempre atrelados à rítmica, ora através de retardamentos, repetições, espacejamentos, ora explorando foneticamente as palavras, e sempre criando elementos de surpresa, introduzindo momentos inesperados no discurso da canção. (GHEZZI 2003 pp.68)

Todos os grupos estavam comprometidos com o inesperado, um discurso vanguardista no seu sentido literal, “Avant Garde4”, o que está a frente, que ataca e surpreende.
Muitos dos compositores da Vanguarda Paulista estavam em um contexto universitário, e alguns prosseguiram a carreira acadêmica. Arrigo Barnabé tem formação em música e composição no Paraná. O grupo Premeditando o Breque era essencialmente de jovens do curso de Música da Universidade de São Paulo (USP), e o Grupo Rumo, em sua maioria, do curso de Letras da USP. O grupo Língua de Trapo era formado por alunos da Faculdade Casper Líbero.
Estes grupos tiveram contato com as vanguardas musicais, literárias e plásticas de todo o início do século XX5. Várias delas se manifestaram em diversos trabalhos da Vanguarda Paulista, demonstrando uma preocupação estética pela novidade e pela experimentação, inseridos em um contexto popular. Arrigo Barnabé aborda esse sincretismo entre o erudito e o popular:
“Eu sou filho da Tropicália. Sem ela eu não existiria. Na época eu ouvia as músicas de Caetano e Gil e ficava me perguntando: se eles faziam inovações na letra e no arranjo, por que não faziam na música também? Por que não alteravam os compassos, por exemplo? E aí fiquei achando que ousar na estrutura da música seria o próximo passo na evolução da música popular brasileira. Foi uma coisa pensada, premeditada mesmo. Nada de inspiração espontânea”. (FENERICK 2007a, pp.97)

A idéia de uma linha evolutiva da MPB, que a grosso modo era o choro-samba-bossa-tropicalismo, permeava a tradição da MPB institucionalizada através dos festivais:
“A nossa preocupação [dos integrantes do Rumo] era deliberada em procurar coisas diferenciadas, tanto é que o nome do grupo no início era ‘Rumo de Música Popular’. Não queríamos repetir as fórmulas criativas que estavam vindo. A idéia era evoluir...Era uma idéia clara de evolução criativa. Estávamos influenciados pela idéia de ‘linha evolutiva da MPB’...Quando fazíamos algo que se parecia com alguma música que já existia, nós não tocávamos”. (FENERICK 2007a, pp.34)

A Música Popular já havia dialogado com a música erudita em diversos momentos da sua história6, porém ao fazer esse contato com a música experimental, que está intimamente ligada ao conceito do questionamento e do novo, aponta para algo diferente do que já estava sendo feito:
Se os anos 80 herdam dos 60 as forças da ruptura, com elas convivem as forças da tradição. Entendemos aqui por tradição, todas as manifestações artísticas que por qualquer razão não eram enquadradas, naquele período, no grupo das rupturas. Havia na época uma tendência para se olhar com muita desconfiança a produção cultural voltada aos grandes mercados. A produção artística de caráter industrial era vista com muitas reservas. Tidas como alienantes, tendo como conceito de “alienante” para o período tudo aquilo que não fosse “engajado”, ou seja, que não se identificasse ideológica ou artisticamente com as rupturas, muitas manifestações do período eram sumariamente banidas de qualquer abordagem tida como séria seja pela crítica, seja pela teoria da arte. Estamos falando dos anos 60 e dos 70, mas é deles que deriva a produção cultural dos 80. (CARRASCO 2009 pg3)

Entretanto, Fenerick (2007a) ressalta que quando utilizam esta experimentação não há um engajamento estético com o intuito de revolucionar a Música Brasileira, era uma atitude de simplesmente romper as fronteiras. “Diferentemente de outras vanguardas eles não ousavam questionar o estado da arte ou da música, não havia um apontamento para reformulação estética geral, era apenas um fazer que não via impedimentos para experimentar a música, sendo que seu campo de criação fosse o da música popular”. (FENERICK 2007). Esta idéia de inserção na música popular se faz através dos elementos típicos da canção. A utilização de uma experimentação que possa estar nos moldes de uma comunicabilidade, e amplitude de público, parece estar relacionada a uma série de compensações, do uso de recursos típicos da música popular, como o uso da repetição:
De qualquer modo, a utilização do atonalismo e do serialismo como afronta ao tonalismo, nas canções do LP Clara Crocodilo, encontra motivação na idéia central do texto poético, que discorre sobre a marginália de São Paulo na década de 70. O ser humano é retratado, no texto poético, em sua forma distorcida e desintegrada própria de uma sociedade em dissolução, de modo análogo à utilização do atonalismo e do serialismo, se estes forem entendidos como uma distorção e desintegração do centro tonal, princípio agregador central do tonalismo. (...)Esta irritação, provocada pela dificuldade de previsão dos eventos, é um dos objetivos destas canções, confirmado pelo conteúdo do texto poético. A agudeza dessa irritação, no entanto, é amenizada pelo alto grau de redundância no texto musical, resultado de diversas repetições de determinadas seqüências de alturas e de padrões rítmicos. Do mesmo, recupera-se um mínimode “segurança psíquica” através de uma compreensão facilitada pela estrutura formal – simples e evidente – das canções. (Cavazzotti, 2004 pg.8)

Em todos os trabalhos encontrados sobre a Vanguarda Paulista há referências sobre a importância da letra, que constrói um fio condutor e sustenta a experimentação. É na exploração da palavra que podemos traçar as diferenças entre eles: em Premê e Língua de Trapo encontramos na forma de paródia-crítica; a preocupação do Grupo Rumo e de Itamar Assumpção na forma de dizê-la; e na obra de Arrigo Barnabé encontramos como elemento unificador dos recursos que utiliza.
Ghezzi os diferencia dizendo: “todos os grupos mencionados traziam inovações à MPB instituída: Arrigo Barnabé e o sistema atonal; a relação entre texto e melodia pensada como entoação pelo grupo Rumo; Itamar Assumpção e suas incursões pela sobreposição de ritmos; e a linguagem despojada e irreverente, a sátira do cotidiano, e o humor presentes nas composições do Premê e do Língua de Trapo” (Ghezzi, 2003 pg. 47).
Essas características parecem ser a utilização e colocação do discurso. Luiz Tatit comenta: “Eu vejo claramente uma unidade, não de um movimento musical, mas na regularidade de um fator: a presença da fala na música. O Itamar fazia um verdadeiro reggae-de-breque. E o Arrigo usava locuções radiofônicas". (In carrasco 2009)
Tendo a frente a utilização da fala, em prol da narratividade ou crítica, alguns recursos interpretativos específicos são utilizados. Para executar estas músicas não era possível usar recursos interpretativos convencionais. “A música dodecafônica de Arrigo, a variação rítmica de Itamar, e a canção entoativa do Rumo exigiam intérpretes que contassem com recursos vocais privilegiados, como por exemplo, grandes saltos intervalares, empostações, agilidade e precisão rítmicas, extrema afinação, extensão vocal, timbre, sustentação, volume, etc” (Ghezzi, 2003 49).
Exatamente através dessa preocupação seguimos o nosso percurso pela Vanguarda Paulista, de como se deu sua performance.

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