segunda-feira, 26 de abril de 2010

1.2 Características da Vanguarda Paulista
“Eu fico louco faço cara de mau
falo o que me vem a cabeça
não digo que com tudo isso
eu fique muito mal
espero que você não se esqueça
Eu quero ver você dançando
o reggae desse rock comigo
vivendo em pleno vapor”
Itamar Assumpção1

As diferenças entre os componentes da Vanguarda Paulista parecem ser mais numerosas dos que as similitudes. Uma das semelhanças é que nenhum deles se prendeu à um gênero específico; a gama de possibilidades composicionais exploradas por cada um dos compositores é enorme. O que havia era uma apologia a liberdade do compositor, uma preocupação com o novo. Inclusive a origem do nome do Grupo Rumo trazia, implicitamente, essa inquietação estética, uma vez que seu nome original era “Novos Rumos da Música Popular Brasileira”, que foi simplificado posteriormente.
Por outro lado, apesar de toda amplitude estética, eles fizeram uma releitura do que havia de mais estabelecido popularmente no Brasil, o Samba2. A narrativa (histórias cantadas), que Noel Rosa introduziu no samba, invade as letras da Vanguarda Paulista (MACHADO, 2007). O grupo Rumo lança o disco “Rumo aos Antigos”, só de regravações3 de samba dos anos 30. O Premeditando o Breque, ou simplesmente Premê, compõe sambas como o “Brigando na Lua”, “Samba Absurdo”, e outras composições que fazem referências claras a clássicos, como “Saudosa Maluca”. Itamar Assumpção regravou sambas4 em seus primeiros discos e posteriormente lançou um álbum só de releituras de Ataulfo Alves5. Nesta relação com este gênero popular, o único que parece estar alheio é Arrigo Barnabé6.
Em todos estes casos, havia junto da experimentação a idéia de dialogar com a tradição da MPB, às vezes inovando na temática, na estrutura ou na interpretação. “A sensibilidade estética dos 80 é inteiramente voltada para trás, para os anos 40 e 50, onde irá encontrar o período áureo do classicismo inocente.” (Carrasco, 2009)
Esse diálogo com décadas anteriores também se faz presente através do personagem Beleléu de Itamar Assumpção, que é uma analogia ao malandro (no sentido do imaginário brasileiro), e mais especificamente a de um “neomalandro”7. Luiz Tatit, um dos compositores do Grupo Rumo, chega a catalogar a música de Itamar como “reggae-de-breque”, catalogando seu estilo de compor com essa reciclagem da tradição, cheio de vinhetas, e falas associadas ao samba.
Este período é marcado também pelo Rock Nacional:
O estabelecimento definitivo da estrutura da indústria fonográfica no Brasil faz com que esse american way of life, em tempos mais recentes (...), pode ser sentido no Brasil da década de 1980 pela grande explosão da música jovem, com o chamado rock nacional e o dance. Transformado em um dos maiores fenômenos de mercado da época. (..) o rock, sua dicção, sempre esteve presente nas canções da Vanguarda Paulista. Arrigo Barnabé, o Premê, o Língua de Trapo e mesmo o Rumo sempre se utilizaram de uma roupagem “roqueira”, de uma instrumentação oriunda do universo do rock. Mesmo Itamar Assumpção por vezes também se aventurou por esse caminho. Trabalhos como a pseudo-ópera de Arrigo Barnabé, Gigante Negão, por exemplo, foi composta para uma banda de rock pesado. (FENERICK, 2007a pp. 76)

Sobre o fim dos anos 70, e especificamente sobre a música na abertura política, Napolitano comenta:

"A MPB com suas letras engajadas e elaboradas, o samba com sua capacidade de expressar uma vertente da cultura popular urbana ameaçada pela modernização conservadora capitalista e o rock com seu apelo a novos comportamentos e liberdades para o jovem das grandes cidades. Não foi por acaso que ocorreram muitas parcerias, de shows e discos entre os artistas dos três gêneros." (Napolitano, 2006 pag 112)

A narrativa e a crítica social8, que marcaram respectivamente o samba dos anos 30 e o rock dos anos 809, estavam extremamente presentes na Vanguarda Paulista; nas suas performances, letras e música. Isto é, a composição musical estava atrelada ao discurso, de uma maneira integrada e completa, e este é um possível elemento unificador entre os diversos artistas participantes do movimento.
Murgel (2005) comenta que a Vanguarda Paulista nem mesmo pode ser considerada um movimento, mas sim apenas uma denominação que a imprensa deu a um grupo de compositores. E talvez por esse motivo a Vanguarda Paulista tenha englobado artistas posteriores, como Alice Ruiz10, Carlos Careqa, José Miguel Wisnik e Alzira Espíndola11 que, apesar de não estarem inseridos no momento de surgimento histórico, foram relacionados com a Vanguarda Paulista por possuírem muitas das características e dialogarem com os seus compositores12:
“A Vanguarda Paulista caracterizava-se pela estética experimentalista, pela busca de novos caminhos dentro da Música Popular Brasileira, pela produção independente e pela intensa colaboração inter-pessoal dos músicos das diversas tendências, tendo como centro agregador o Teatro Lira Paulistana” (MURGEL)

A possibilidade de agregar outros artistas, que não estavam inseridos no contexto histórico, se deve ao fato de possuir elementos em comum13, provavelmente a liberdade estética e a utilização da letra. Essa identificação com a Vanguarda Paulista é possível porque não havia uma ideologia engajada que a limitasse. Era um agrupamento por afinidades estéticas e produtivas. “A Vanguarda Paulista não tinha nenhuma ideologia a priori, e a criatividade voltava a ser valorizada. Inclusive essa ausência de ideologia era uma forma de ideologia, o discurso do não-discurso, para que prevalecesse a produção artística em si” (ALEXANDRE, p. 89 2002). Tal repúdio era, provavelmente, conseqüência do discurso do Tropicalismo, como uma forma de negar o que foi dito anteriormente para afirmar algo novo.
Sua crítica à cultura é interna. Não chegam, esses músicos, talvez, a gerar propriamente uma utopia social, como ocorreu com outras gerações anteriores de cancionistas populares, mas são muito eficientes em analisar de forma extremamente crítica sua época e suas próprias condições (contraditórias) como produtores culturais. Como músicos, não deixaram de analisar as sonoridades difundidas pelos media em seu tempo, dialogando criticamente com elas. (FENERICK 2003, pp.5)

Ou seja, o termo, por agregar alguns elementos que estão deslocados do momento histórico e excluir outros que estavam ali presentes, hoje em dia parece estar mais associado às características comuns do que às apresentações no teatro Lira Paulistana.
“Há, portanto, uma sonoridade própria nessa produção musical, que costumamos rotular como movimento. Observando hoje a vanguarda paulistana, após quase trinta anos, vemo- nos em condições de ousar afirmar que essa sonoridade própria e característica talvez seja o seu grande fator de unidade. Ela é resultado da aproximação de canto e fala, também, mas não se restringe a ela, expande-se por todo o espectro de fatores musicais que a compõe.” (CARRASCO, 2009)

Portanto há algo que une, e delimita, a Vanguarda Paulista que está além de seu limite geográfico e temporal. Se no primeiro momento o nome foi dado para um fenômeno que ocorria em forma de diversos eventos, hoje está mais atrelado a um tipo de composição, que em geral está referenciado na letra mas também na utilização de recursos novos dentro desse campo da canção.

Nenhum comentário: